segunda-feira, 21 de julho de 2008

"Que história é essa?": um comentário acerca do vestibular 2008.2 da UFERSA.



“Papai, então me explica para que serve a História”.


Em tom apelativo, a fala acima é de um garoto, citado no livro Apologia da História ou o ofício do historiador, do renomado historiador francês Marc Bloch. Suscitando várias reflexões acerca do conhecimento histórico e seu significado, principalmente, para os jovens estudantes de história, que freqüentemente, retomam essa mesma inquietação no nosso cotidiano escolar.
Vivenciando o ofício de professor de história, compreendo e busco assumir uma prática que possibilite aos alunos uma reflexão de suas experiências de viver a história, para identificarem as relações que essas guardam com experiências de outros sujeitos em tempos, lugares e culturas diversas das suas. Dessa forma, auxiliando-os a construírem o sentido do estudo da história.
No entanto, essa semana fui indagado por um daqueles alunos que após responder uma prova de vestibular, o mais rápido possível, busca dos professores, as “respostas certas”, antes mesmo que o gabarito seja divulgado. Não imaginando o que ouviria, pedi que ele relembrasse algumas questões da disciplina história. Logo no início da exposição oral do aluno, citando perguntas e alternativas, me reportei à frase do garoto do livro de Marc Bloch, desta vez me perguntando sobre o papel do exame de vestibular na construção do significado do estudo da história. Não me contive, busquei uma cópia da prova para análise.
Refiro-me a mais recente prova do vestibular da UFERSA e as questões propostas no caderno Estudos Sociais. Aponto quatro observações, certo de que outras podem ser acrescentadas, ao conteúdo e metodologia empregado na elaboração da prova.
De imediato, chamou a minha atenção, o título do caderno onde estavam questões referentes aos conhecimentos históricos, a saber, Estudos Sociais. Minha surpresa se deve ao fato de que tal nomenclatura, empregada a partir dos anos 30 do século passado, cujos princípios básicos foram inspirados em escolas norte-americanas, se mostra obsoleta para as descrições hodiernas acerca da disciplina história.
A segunda observação é mais preocupante ainda, pois se refere à forma de utilização dos conteúdos comumente estudados nas aulas de história e sua aplicação na elaboração das questões. Das 13 questões de conhecimento do saber histórico, todas elas, sem exceção, podem ser definidas como típicas de uma abordagem já ultrapassada por novas concepções historiográficas, que de maneira mais abrangente, conciliam os saberes relevantes para o aluno contemporâneo, visando a construção de um saber crítico-reflexivo a partir das aulas de história.
Para exemplificar: a questão 59 exige do candidato o conhecimento, em ordem cronológica, dos nomes dos três primeiros governadores-gerais do Brasil. Aqui, relembrei meu livro de história (na época, Estudos Sociais) quando estudei na 4ª série. Sendo assim, editado há 15 anos. Uma viagem às aulas onde a minha professora insistia pra que a turma, em uníssono, repetisse com ela nomes de homens, considerados “bravos” pioneiros da administração do território nacional!


Semelhantemente as questões 61, 64 e 65. Todas elas, requerendo do candidato uma tarefa tão freqüentemente criticada pela metodologia do ensino de história, que é a famigerada “decoreba”. Na primeira o aluno deve saber marcar qual das quatro alternativas apresenta o nome do primeiro governador eleito pelo voto direto no RN. Na segunda, o nome daquele que governava o Brasil quando da instituição do AI-5 e a terceira, o nome do 1º presidente civil eleito pelo voto direto pós-abertura política brasileira.
Uma concepção da História que dá lugar às interpretações deterministas, análises limitadas ao enfoque causa/conseqüência, enaltecendo os feitos políticos, de personalidades apresentadas como “heróis” nacionais. Ora, qual a contribuição desse tipo de indagação para uma compreensão crítico-reflexiva da história, por parte dos jovens alunos pré-universitários?
Outra observação é quanto ao formato das questões que propuseram o conteúdo propício para a discussão acerca da categoria espaço, no saber histórico. As questões 54, 56, 58,60 e 63, reduzem a relevância da categoria espaço nos estudos históricos, ao exigir do candidato a tarefa de apontar a alternativa que apresentava o nome correto de um determinado lugar (espaço geográfico), a partir das características mencionadas ou fatos ocorridos, citados em breves enunciados, tais como: onde foi instituído, pela primeira vez, o Habeas Corpus? Onde ocorreu a famosa Batalha de Waterloo?, etc.
Concluo, me perguntando por que em nenhuma das 13 questões são oferecidas ao candidato, variadas fontes para a compreensão e análise histórica, a saber, imagens, gráficos, mapas, citações de pesquisadores, charges, etc.


(Publicado no espaço Artigos, em 19/07/2008 no Jornal Gazeta do Oeste).
Charles Bronson
Professor
chbronson_1@yahoo.com.br

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